Edição Atual
Editorial
Patrimônio imaterial e memória
A memória da literatura de cordel é um tema ainda pouco estudado pela academia. A partir de 2018, quando a literatura de cordel foi reconhecida como patrimônio imaterial do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), sua preservação passa a ser um ponto fulcral e urgente nas instituições detentoras de acervos.
Assim, a Fundação Casa de Rui Barbosa, em sua longa tradição na preservação dessa memória, promoveu o I Congresso Brasileiro de Literatura de Cordel, entre os dias 21 e 23 de novembro de 2023. Esse evento contou com a parceria da Secretaria de Formação Cultural, Livro e Leitura (SEFLI) e da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC) do Ministério da Cultura (MINC) e com apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Foram três dias de grande confraternização e troca de informação, entre acadêmicos, cordelistas artistas, editores e público interessado. As palestras foram tão ricas de conteúdo que resolvemos publicar um dossiê com artigos de cunho acadêmico.
Iniciamos o dossiê com a pesquisa de Adriana Mesquita Figueiredo e Marx Paulo Vargas da Guia, ambos bolsistas da FCRB, cujo tema reflete sobre a literatura de cordel e sua relação com estudos sobre memória e humanidades digitais. Os autores relatam ainda a experiência na organização de dois produtos gerados pela pesquisa: as biografias dos cordelistas e o guia do acervo de literatura de cordel da FCRB.
Já Carolina Sena em seu artigo conta a sua experiência na constituição, na organização e na divulgação dos folhetos de cordel da FCRB, cujo acervo é um dos mais relevantes do mundo. A pesquisa é produto de seu curso de Mestrado em Memória e Acervos da Fundação Casa de Rui Barbosa.
A construção do Portal Digital da Academia Brasileira da Literatura de Cordel (ABLC), sob o prisma das interculturalidades, migrações e mediações digitais, é o tema de Elisete de Sousa Melo e de Monica Machado. As autoras analisam, ainda, como as novas tecnologias da informação e comunicação (TIC), em especial a internet, as mídias e as redes sociais se fortalecem como um novo instrumento de disseminação, divulgação e preservação da memória da cultura popular e das tradições.
A memória institucional é o tema da pesquisa de Helonis Brandão, dedicando-se à institucionalização da literatura de cordel na Fundação Casa de Rui Barbosa. O artigo relata sua pesquisa a partir da noção de apropriação, sob a perspectiva de Roger Chartier, e da ideia de movência, conforme Paul Zumthor, partindo de uma discussão bibliográfica e documental.
Everardo Ramos apresenta a pesquisa sobre as ilustrações de folhetos de cordel. Traz uma síntese histórica e documental sobre os fatores que influenciaram essa arte. O trabalho analisa os diferentes tipos de imagem encontrados nas capas dos folhetos e que, não só ilustram as histórias, mas também revelam a complexa relação entre o popular e o erudito, entre a tradição e a modernidade.
Marcus Haurélio Fernandes Farias em “Eu vou contar a história / De um pavão misterioso”, revisita o mais famoso folheto da literatura de cordel brasileira - O romance do pavão misterioso. Em vez de debater questões ligadas à verdadeira autoria, propõe-se a fazer um levantamento dos principais motivos constituintes da história e, a partir daí, a enquadrá-la no catálogo internacional do conto popular – o sistema Aarne-Thompson-Uther (ATU).
Os Novos diálogos ou por um cordel remoçado é o tema de Edilene Matos. No artigo ela aborda as novas dinâmicas do cordel, exemplificando com as obras de Antônio Vieira e Klévisson Viana. Considera que as novas dinâmicas do cordel são frutos de um novo momento, difícil e marcado por mudanças sob o signo da violência. Para a autora a violência salientada na literatura de cordel, sobretudo nos tempos atuais, é crítica e formadora de consciência.
Santaninha é o tema de Stélio Torquato Lima. No artigo o autor defende o pioneirismo do rabequista potiguar João Sant’Anna de Maria (1827-1883?), o Santaninha, conhecido como o “poeta-repórter”, antecedendo Leandro Gomes de Barros, considerado “pai do cordel brasileiro”.
Mariana do Nascimento Ananias, relata sua pesquisa sobre Chica Barrosa, repentista negra pioneira na arte do improviso no Brasil. Nascida em meados do século XIX na província da Paraíba, ela foi considerada uma pioneira na arte do improviso, por ter sido, provavelmente, a primeira mulher a conseguir se estabelecer na profissão de repentista, inserindo-se em um meio artístico dominado por homens e marcado por intensas disputas raciais e sociais, durante um período de declínio do regime escravista e de grandes transformações em todo o país.
Além dos artigos, encontramos o relato sobre a importância da realização do evento por Sylvia Nemer, uma das responsáveis pela escolha do conteúdo do Congresso. É dela, também, a minuciosa transcrição da palestra de encerramento de Braúlio Tavares, que resolvemos publicar devido à riqueza da apresentação.
Na seção Documentos, foi selecionada a Carta-folheto do I Congresso Brasileiro de Literatura de Cordel.
Enfim, acreditamos que esse dossiê possa ser útil para os pesquisadores e interessados na literatura de cordel.
A partir deste número, a revista Memória e Informação será editada em parceria do Centro de Memória e Informação (CMI) com Programa de Pós-Graduação em Memória e Acervos (PPGMA).
Desejamos a todos uma boa leitura!
Ana Ligia Silva Medeiros
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ARTIGOS
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